Um marco da geopolítica que já transformou o mundo e que deve
seguir produzindo efeitos planeta afora completa dez anos nesta terça-feira
(14).
Xi Jinping chegou à presidência chinesa em 14 de março de
2013, embora na prática já fosse o ditador do país desde 15 de novembro do ano
anterior, quando substituiu Hu Jintao na liderança do Partido Comunista (PCCh).
Foi “reeleito” em 2018 (as aspas aqui são generosas, porque
a China é uma autocracia), ano em que a Assembleia Nacional Popular (ANP)
aprovou uma emenda constitucional que acabou com o limite de dois mandatos
consecutivos de cinco anos para os presidentes chineses.
Na última sexta-feira (10), o plenário da ANP ratificou a permanência de Xi no poder por mais cinco anos, chancelando a escalada autoritária iniciada na virada de 2012 para 2013.
Internamente, a pretexto de combater a corrupção e evitar
golpes de Estado, Xi promoveu uma intensa perseguição e expurgos dentro do
PCCh.
Alegando enfrentar o radicalismo e o terrorismo, perseguiu violentamente os uigures e outras minorias muçulmanas em Xinjiang, uma política que foi considerada genocida pelos Estados Unidos e crimes contra a humanidade pelas Nações Unidas.
Em Hong Kong, a autonomia da região caiu por terra com a
repressão a protestos e mudanças posteriores na legislação que serviram de base
para perseguições contra políticos e ativistas pró-democracia, organizações da
sociedade civil e a imprensa independente (que praticamente não existe mais).
Na política externa, o ditador aumentou os investimentos militares
e se embrenhou em disputas territoriais das quais a mais destacada é sua
pretensão de invadir Taiwan (que Pequim considera uma província rebelde, a ser
reincorporada até 2049), mas que também incluem brigas com Índia e Japão.
Além disso, Xi interferiu fortemente na América Latina e no Caribe, na África e no Oriente Médio, por meio de investimentos (como os de infraestrutura do programa Nova Rota da Seda), acordos bilaterais (como o de livre comércio que está sendo costurado com o Uruguai e o pacto de segurança assinado com as Ilhas Salomão) ou pura pressão: Panamá, El Salvador, República Dominicana e Nicarágua cortaram laços diplomáticos com Taiwan após ação de Pequim.
Com os Estados Unidos, a relação está no pior momento em
décadas: os dois países travam uma guerra tarifária e uma disputa por
semicondutores, e Washington tem feito seguidos alertas sobre as possibilidades
de Pequim ajudar militarmente a Rússia na guerra da Ucrânia e invadir Taiwan,
proibiu importações de Xinjiang, sob o pressuposto de que os produtos locais
são fabricados com trabalho forçado, e em fevereiro derrubou um balão espião
chinês sobre a sua costa atlântica.
A exuberância econômica, porém, grande trunfo da China para exercer influência no resto do mundo, começa a ratear: o PIB da China cresceu somente 3% no ano passado, segundo pior resultado desde 1976 – o desempenho mais fraco foi o incremento de 2,2% de 2020, primeiro ano da pandemia de Covid-19. Para 2023, a meta de crescimento estabelecida pelo governo chinês é de apenas 5%, abaixo dos patamares pré-pandemia.
Essa desaceleração tem várias explicações, como os efeitos
dos lockdowns severos da política Covid Zero (que começou a ser abolida apenas
no final de 2022), a diminuição da produtividade chinesa, reflexo do
envelhecimento da população (para conter isso, a política do filho único foi
abolida em 2015, quando se passou a permitir que casais chineses tivessem duas
crianças; em 2021, até três filhos passaram a ser admitidos e pouco depois o
governo retirou as punições para quem desrespeitasse esse limite), e o aumento
da interferência estatal na economia desde a chegada de Xi ao poder.
“Muralha de aço”
Para o coronel da reserva Paulo Roberto da Silva Gomes
Filho, mestre em ciências militares pela Escola de Comando e Estado Maior do
Exército (Eceme) e em estudos de defesa e estratégia na Universidade Nacional
de Defesa de Pequim, a grande diferença na China sob Xi Jinping tem sido uma busca
mais intensa por um papel de protagonista internacional, como uma liderança
alternativa à exercida pelos Estados Unidos.
“É nesse sentido que devem ser compreendidas ações como o plano de 12 pontos para a paz entre Rússia e Ucrânia, ou a intermediação do acordo de restabelecimento de relações diplomáticas entre Irã e Arábia Saudita [anunciado na semana passada]. É claro que esse protagonismo incomoda os Estados Unidos, que veem sua influência diminuir em várias partes do mundo”, apontou Gomes Filho.
“Não diria que a China se aproveitou de um vácuo de poder
deixado pelos Estados Unidos, mas sim que o país se ofereceu como uma
alternativa. Para países como o Irã e a Arábia Saudita, autocracias que
enfrentam diversas acusações de desrespeito aos direitos humanos, parece ser
mais conveniente interagir com a China, um país que advoga uma política de ‘não
intervenção em assuntos internos de outros países’, até em razão das acusações
que pesam sobre ela própria, do que com os Estados Unidos, um país cuja
política externa costuma exigir de seus parceiros a adesão aos valores das
democracias liberais”, ponderou o analista.
No primeiro pronunciamento do seu terceiro mandato, Xi disse
na segunda-feira (13) que o Exército de Libertação Popular deve ser
transformado “em uma grande muralha de aço que proteja efetivamente a soberania
nacional, a segurança e os interesses de desenvolvimento”, indicando que os
investimentos para aumentar o poderio militar chinês serão prioridade para os
próximos cinco anos.
Gomes Filho concorda e afirmou que, apesar dos desafios
econômicos que persistem na China – aos quais o especialista acrescentou a contração
no mercado imobiliário – e que exigirão reformas já em planejamento, o país
buscará um incremento na força militar ainda que impondo sacrifícios a outros
setores.
“Não acredito que os desafios econômicos afetem significativamente os investimentos militares, uma vez que esses são prioritários para Xi Jinping. Caso exista a necessidade de se ‘apertar o cinto’, ele poderá fazer isso em outras áreas, poupando o setor de defesa”, argumentou.